O último filme que postei aqui era pretensamente de terror, mas horror de verdade é este
Onibus 174. É um documentário forte que toca numa questão muito sensível para os cariocas (e o Brasil de um modo geral): a crescente violência e a falta de preparo policial. Com certeza os moradores desta cidade maravilhosa ainda tem este incidente muito vivo na memória. Em 12 de junho de 2000, Sandro do Nascimento sequestrou o ônibus 174 na rua Jardim Botânico em frente ao Parque Lage e manteve dez reféns por cerca de cinco horas.
A situação por si só já é tensa o suficiente, afinal este não é um tipo comum de crime que costume acontecer por aqui. Não estou negando a alta taxa de criminalidade do Rio, apenas a modalidade. Sandro estava visivelmente drogado e falava sem parar, com um discurso disconexo, fazia os passageiros escreverem com batom no vidro do onibus frases como "ele vai matar geral as 6h" ou "ele tem pacto com o diabo". A mídia cercou o lugar e televisionava ao vivo a loucura de Sandro para o país inteiro, fazendo com que ele se tornasse protagonista de um filme da realidade que ninguém quer ver.
O documentário de José Padilha, estreando na direção, é uma porrada. Estilhaça qualquer leitura maniqueísta que se queira fazer o episódio e da situação de violência da cidade. Ninguém é culpado da situação e todos são culpados da situação.
Culpa da polícia? Mas como manter a segurança da sociedade, se não recebem treinamento adequado e não tem motivação nem financeira nem psicológica para cumprir seu papel?
Culpa da bandidagem? Mas porque estas pessoas ingressam no crime para começar? Como manter uma estrutura familiar sólida se as favelas são controladas pela mão pesada do tráfico? Que oportunidade de emprego tem o indíviduo com pouco acesso a cultura e educação? E quando presos o que é feito para reparar e devolve-los a sociedade de forma produtiva?
Culpa da sociedade? Que não enxerga o problema social com que convive diariamente a cada vez que ouve um pedinte na rua ou que ignora um menino de rua? Que paga seus impostos em dia e espera ao menos poder contar com segurança policial e ações do governo?
É um filme totalmente aberto ao debate. A história de Sandro contada no filme é dura. Viu a mãe ser degolada pelo tráfico aos seis anos de idade, um episódio que marcou sua vida. Seu pai, ninguém sabe ninguém viu. Foi criado ao léu, sobreviveu como pode. Jogado nas ruas, virou ele próprio um menino de rua e teve sua escola ali. Aprendeu a pedir, roubar e se drogar com seus pares. Não havia quem tomasse conta dele. Entrou e saiu de centros de detenção, e só aprendeu que não podia voltar para lá, pois de lá nada se aprende. Seria apenas torturado e tendo sua dignidade/humanidade cada vez mais dilacerada. Teve sorte de escapar do Massacre da Candelária. Mas não dá para se solidarizar com Sandro, ele era um bandido certo?
O filme é inteligente o bastante para contrapor a voz de um outro bandido, amigo(?) de Sandro, no meio do debate. E são frases assustadoras, dá para perceber que esta bandidagem não tem o menor apego a vida. Nem as suas, nem a dos outros. A naturalidade e a quase felicidade que o bandido conta assalta e ateia fogo nas pessoas sem o menor remorso ou qualquer sinal de piedade é brutal. Saber que existem pessoas assim vivendo na mesma cidade que eu me deixa muito mal, triste, com medo e totalmente inseguro.
O final de Sandro não tinha como ser outro. E esta é a pior parte da história. A polícia matou Sandro por sufocamento dentro do camburão, logo após o término do sequestro. E nem adianta levantar a bandeira de que a contra a polícia agiu porque a população em volta que invadiu o cerco, ia linchar o Sandro até morte se ele não fosse removido de lá.
Lembra do depoimento do amigo encapuzado do Sandro? Você não prefere que ele suma também? O problema é que a morte de Sandro ou do amigo encapuzado não resolve o problema. A luta diária da polícia contra o tráfico também não resolve. É preciso participação governamental e cobrança da sociedade. Tem que promover a inclusão social, aumentar a qualidade de vida e a renda familiar. Não é um trabalho fácil e nem rápido. Eu sempre tive a certeza de que é preciso investir em educação e saúde, se não estaremos fadados a ver outros Sandros por aí.
Ficha Técnica
Título no Brasil: Ônibus 174
Título original: Ônibus 174
Direção: José Padilha
Gênero: Documentário
Origem: Brasil
Duração: 120min
Elenco
Sandro do Nascimento
Capitão Batista
Luanna Belmonn
Maria Aparecida
Claudete Beltrana
Luciana Carvalho
Coelho
Dona Elza
Luiz Eduardo Soares